Publicada em Julho de 2014.... uma crônica onde o personagem possui uma forma, uma idade e um aspecto diferente para cada leitor. Uma história muito simples, que beira um conto infantil. Complexa, porém, na incompreensão dos fragmentos da nossa infância.... aos quais, por vezes, nos limitam.... nos tornam mais felizes.... ou que nos aprisionam.
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O curioso caso Benjamin Noval, por Dalton Cabral
Benjamin Noval era um “conhecido” aqui da rua. Durante a nossa infância, brincamos muito de bola, de “polícia e ladrão” etc.. Porém, Benjamin não conseguia aprender a andar bicicleta. Ele tinha algum bloqueio que o impedia de realizar aquele sonho.
Sim, ele tentou, incansavelmente, se equilibrar nas duas rodinhas. Arrisco-me até a dizer que ele sabia andar, porém, por algum motivo, não conseguia passar do terceiro “giro” nos pedais, sempre caindo para um dos lados.
Em quase todas as vezes que tentou (e olha que foram várias), sempre voltava com ferimentos nos cotovelos, joelhos etc.. Não demorou para que sua mãe, cansada de tantos curativos, proibisse o menino de pegar as bicicletas emprestado com os amigos para tentar aprender a andar. Comprar uma, então, nem pensar!
Passaram-se alguns anos e sua família mudou de cidade. O pai, militar, vivia trocando de residência de tempos em tempos. Benjamin, assim como sua mãe, sempre precisava reconstruir sua vida, o seu quarto e suas amizades.
Ele, entretanto, enxergava sempre como uma nova oportunidade para aprender a andar de bicicleta. Naquela nova vizinhança, com aqueles novos amiguinhos, escondido da sua mãe, ele poderia pedir uma bicicleta emprestada, sem que ninguém soubesse quantas vezes ele já havia tentado antes.

Benjamin tentou e tentou por muito tempo, quase desistiu, mas um dia ele conseguiu se equilibrar e, a partir daquele momento, não largou mais a bicicleta.
Era uma bicicleta que um vizinho havia lhe oferecido para comprar. Empolgado com o feito, correu para o cofrinho, pegou suas economias de alguns anos e pagou pelo novo brinquedo.
Depois de pedalar por uma tarde inteira, sentindo aquele vento no rosto, aquela liberdade para ir, vir e seguir por onde bem entendesse, entrou em casa.
Cansado, passou direto pela sala, olhou rapidamente no espelho no fim do corredor e seguiu para o quarto. Sentiu um “frio” no estômago e pensou: “tem um estranho em casa!”.
Deu dois passos de volta, abriu a porta do quarto e olhou no corredor em direção à sala, e nada! Ao olhar na direção inversa, enxergou o seu próprio reflexo no espelho e tomou um susto! Ele estava diferente! A pele enrugada, os cabelos brancos, e o corpo cansado… lembrava até o seu avô.
A cabeça da criança levou quase um minuto para tentar formar alguma opinião, mesmo que abstrata ou fantasiosa. Primeiro pensou: “Esse espelho está com defeito”. Depois concluiu que o espelho seria “mágico”.
Semanas, meses e até alguns anos se passaram. Todos os dias, Benjamin andava em sua bicicleta. Pedalava o dia inteiro com as outras crianças. Descia e subia ladeiras, sentindo o vento no seu rosto. Sentia-se eterno, sentia-se vivo.
Todos os dias, tanto quanto pedalava, encarava o “estranho espelho mágico”. Via ali um reflexo que, com o tempo, passou a achar engraçado. Imaginava-se mais velho através daquela imagem. Como seria sua pele, seu rosto e suas sensações físicas quando estivesse bem velhinho.
Algumas semanas depois, Benjamin se foi. Talvez para a sua última viagem. Desta vez, porém, não foi o seu pai que mudou novamente de endereço, foi o próprio Benjamin. Uma viagem inevitável e até hoje incompreendida por tantos.
Porém, Benjamin nunca a evitou. Talvez por isso nunca temesse essa última viagem. Entre os amigos da rua, Benjamin certa vez revelou que só tinha um medo: O de não viver!
Dias depois, seus filhos e alguns netos reviravam sua casa para arrumar e empacotar os seus pertences. O espelho, que de “mágico e especial” não tinha nada, logo entrou em uma das caixas. A bicicleta, ainda guardada no quarto, ao lado da cama, chamou a atenção de uma de suas netas.
“Mamãe, corre aqui, venha ver a bicicleta do vovô!”
Todos os cinco filhos e quatro netos, formados por uma vida inteira de trabalho e dedicação à família, amontoaram-se no pequeno quarto, em volta da bicicleta.
Nela havia uma etiqueta, cuidadosamente aplicada no quadro. Na etiqueta, em letras de forma, estava escrito: “minha bicicleta mágica”.
Ótima história meu amigo. Parabéns!
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