quarta-feira, 7 de outubro de 2015

De Volta para o Futuro: Como seria correr um Ironman em 1989?




Era véspera do Ironman Brasil 2013. O relógio marcava 21:15 e o estômago alertava que já passara da hora de comer.

Com certa pressa entramos em um restaurante... e os meus olhos logo passaram a caçar uma mesa disponível. Repentinamente, porém, eles pararam na direção de uma delas.

Eu não sei qual é a sensação das outras pessoas. Mas entro em um tipo de "choque" quando encontro, pessoalmente, alguém que só conheço pela televisão ou pelas páginas de uma revista. A "materialização" da pessoa é, por vezes, positiva... e em outros casos decepcionante. Afinal, certos ídolos, quando ainda no imaginário das páginas de revistas, parecem ser mais altos... mais baixos... ou até, mais educados.

Mas não foi o caso do Mark Allen... ele era exatamente como "eu nunca imaginei".

Estava sentado em uma das mesas com outras pessoas. Esperei o momento certo... e pedi para bater uma foto com ele. 

No exato momento do "clique", eu disse: "Ok, legs are shaking a little bit" / "Ok, as pernas estão tremendo um pouco"... e isso lhe tirou um sorriso, captado pela lente um pouco desfocada.

No caminho de volta para o hotel... e por quase todo o dia seguinte... pensei sobre como eles eram capazes de nadar, pedalar e correr, como correram em 1989.... sem os equipamentos tecnológicos e aerodinâmicos que hoje nos deixam mais rápidos... ou, quem sabe, mais "moles".

Leia "De Volta para o Futuro: Como seria correr um Ironman em 1989" abaixo... ou acesse o link do Portal Mundotri:
http://www.mundotri.com.br/2013/09/de-volta-para-o-futuro-como-seria-correr-um-ironman-em-1989/


De volta para o Futuro: Como seria correr um Ironman em 1989?
E
ra tarde de sexta-feira e eu havia saído para uma corrida leve, quando avistei um carro parado. Ao lado do veículo, um senhor com visual, no mínimo, estranho. Aos gritos, o senhor pedia que eu me apressasse, pois estava atrasado. Sem entender nada, porém curioso pela situação e pelo visual sofisticado e exótico do carro, entrei! Ao dar a partida, uma rápida aceleração. E, como se estivesse sendo controlado por um piloto automático, o carro seguiu em alta velocidade, na direção de um muro.
BUM! Foi a minha última lembrança. Teria eu morrido? Estava ferido? Os meus olhos abriram lentamente e percebi que estava deitado em uma cama. O quarto era similar ao de uma pousada. Ao lado, repousava uma bicicleta de estrada, estilo vintage, com algumas sacolas e nada mais. Meu corpo estava extremamente dolorido e não compreendia o fato de não estar ferido, assim como não entendia como eu havia chegado naquele lugar.
A bicicleta era muito pesada, certamente de ferro, com cinco ou seis marchas e passadores no quadro. Lembrei-me que andei em uma dessas quando era criança e cheguei a assistir inúmeras iguais a ela andando nos “irons” da década de 80.
Que tal 180km com uma bike de 12kg?
Que tal 180km com uma bike de 12kg?
Saí da quarto na esperança de encontrar respostas e uma simpática recepcionista, por trás de um balcão, em inglês, me perguntou:
– Olá Sr. Cabral! Já acordou? Espero que a noite tenha sido agradável! Afinal, amanhã é o grande dia!
Grande dia? Sr. Cabral? Mas como ela sabe quem sou? Ironicamente , abrir a porta do quarto em busca de respostas, me trouxe mais dúvidas do que as que eu já tinha.
Tentei disfarçar minha total falta de senso de localização e perguntei “Desculpe, mas acordei um pouco confuso. Como cheguei até aqui?”. Ela então respondeu:“Como assim? O senhor chegou há dois dias e veio como todos chegam na ilha, de avião!”.
“Ilha? Que ilha?”, imediatamente perguntei. E ela novamente respondeu: “O senhor está bem? Estamos em Kona. O senhor está assim por ansiedade pela competição que está por vir? Só falta o senhor não saber em que ano estamos!” – Ao observar minha cara pálida de espanto, ela nem se deu ao trabalho de esperar a minha pergunta e, pausadamente, falou: “mil, novecentos e… oitenta e nove.”
Parei por um instante, respirei fundo e voltei para o quarto na esperança de tentar entender o que estava acontecendo. Aquele carro! Aquele senhor! O acidente! Seria tudo isso um sonho? Teria eu morrido e tudo isso, na verdade, seria uma espécie de realidade paralela? Voltei-me para a bicicleta e para as sacolas com o intuito de encontrar alguma informação. Em uma das sacolas havia batatas, sal, algumas frutas secas e laranjas. Na outra, duas garrafas de pedialyte e água mineral. Dobradas sobre a mesa, uma camiseta de algodão e uma sunga. No canto da mesa, um capacete vintage e no outro canto um documento, estranhamente assinado por mim. Era uma espécie de “recibo” de retirada do kit.
A última sacola fechou o quebra-cabeças. Lá estava o mesmo par de tênis que eu usava na hora do acidente de carro, um número de competição escrito “Ironman Hawaii” e um elástico, para fixá-lo na cintura.
Saí do hotel e fui para a rua tentando sentir o ambiente. Eu realmente estava lá! Sentia o clima, a umidade, o calor e via vários atletas treinando na rua. Por alguns minutos, a sensação de estar completamente perdido foi substituída por uma profunda emoção. Afinal, como eu sonhei um dia estar ali! Mas, naquele ano? E daquela forma?
Rapidamente, o desespero voltou a tomar conta da minha cabeça: Como seria nadar apenas de sunga? Pedalar 180km, em Kona, com uma bicicleta de estrada pesadíssima, sem “clip” e com apenas seis marchas? * Como poderia fazer um Ironman comendo apenas pão, frutas secas e batata? Como largar sem capacete aerodinâmico, rodas de perfil alto, carboidrato em gel, cápsulas de sal, BCAA, suplementos pré, durante e pós-prova?
Sentei na calçada um pouco perdido e ali fiquei de cabeça baixa, refletindo sobre todos os acontecimentos. Alguns minutos depois, percebi uma sombra à minha frente. Um dos atletas em treinamento parou e perguntou se estava tudo bem. Olhei para seu rosto e, perplexo, o reconheci. Era Mark Allen! Com aquele mesmo rosto mais novo dos vídeos do “Ironwar” da internet. E ele perguntou: “Tenso com a prova de amanhã?” Eu respondi: “Quisera eu que fosse apenas isso”. Ele então falou: “Apenas confie no seu treinamento e tudo dará certo!” Virou-se e partiu correndo.
MarK Allen em 1989. Foto: ironman.com
MarK Allen em 1989. Foto: ironman.com
Nossa! Eu acabei de conversar com o cidadão que ganhará, na verdade que ganhou, a prova do dia seguinte. Eu poderia até dizer para ele como isso aconteceria, ou como aconteceu, em qual quilômetro da maratona. Poderia alertar ao Dave Scott sobre o que estava por acontecer, afinal, eu já sabia tudo que aconteceria no dia da prova, do recorde da maratona (que até hoje não foi batido) e dos tempos finais. Por outro lado, ironicamente, eu só desconhecia um resultado, justamente o meu.
Voltei para o quarto mais fortalecido. Acreditando muito mais nas minhas pernas, nos meus pulmões, nas minhas braçadas, nos anos e anos de treinamento. Muito mais do que em qualquer tecnologia aerodinâmica ou nutricional. Eu estava certo que faria a prova, que encararia os ventos e subidas naquela bicicleta de ferro e que correria de blusa e sunga por 42.2km. Coloquei na cabeça que essa seria uma prova baseada, puramente, em minha natureza mais “bruta”. Que eu não teria “apoios psicológicos” de equipamentos ou de marcas. Que eu não teria o benefício de equipamentos e designs que nos deixam, teoricamente, mais rápidos. Eu estaria quase “nu”, tecnologicamente, porém muito mais próximo do meu espírito e da minha natureza como atleta. Sim! Eu vou correr o Ironman Hawaii de 1989.
Repentinamente, uma porta bateu com força, impulsionada pelo vento! Acordei no quarto da pousada. Mas, novamente, alguma coisa diferente no ambiente, ou melhor, era mais familiar. Então percebi que estava em Florianópolis. Era véspera do Ironman Brasil 2013 e tudo, finalmente, fazia sentido. Que sonho! Muito, mas muito real.
Ao lado da cama, a capa do DVD do filme “De Volta para o Futuro”, que havia colocado no aparelho para assistir naquela tarde, antes de pegar no sono.
Fui para a sala e lá estava minha bicicleta de Triathlon toda aerodinâmica, com o meu capacete “aero” (todo o conjunto, conforme as fotos de uma revista, devidamente testado em túneis de vento), com a minha roupa de velocidade para a natação, com os inúmeros sachês de carboidrato em gel, cápsulas de sal, BCAA, whey, “R” isso, “R” aquilo, manguitos, pernitos e outros “itos”,que, naquele momento, fizeram com que eu me sentisse um “pateta”!
Naquela noite, saí para jantar ainda um pouco desorientado com toda aquela experiência. Entrei em um restaurante e na mesa ao lado estava ele, Mark Allen. Que “peça” do destino! De um sonho há algumas horas antes, para um encontro de fato. Não preciso nem dizer que fui em sua direção e pedi para tirarmos uma foto juntos. Flash nos olhos! E depois de ouvir o meu agradecimento pela atenção, ele, intrigado, olhou fixamente para o meu rosto e perguntou “Já nos conhecemos de algum lugar?”. Eu apenas respondi com uma estranha, porém sólida, convicção: “Sim Mark, Kona, 1989!”

Dalton com Mark Allen
Dalton com Mark Allen no Ironman Brasil 2013
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Dalton Cabral é empresário da construção civil em Manaus/AM e, nas horas vagas, se aventura nos treinos de Triathlon.
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 * Por curiosidade, incluí os tempos do top 10 em 1989, ano no qual foi estabelecido o recorde da maratona em Kona. Perceba como os tempos são rápidos até para os padrões de hoje, mesmo sem todo o aparato aero-tecnológico atual.

1Mark Allen51:174:37:522:40:048:09:15
2Dave Scott51:164:37:532:41:038:10:13
3Greg Welch51:394:43:432:56:538:32:16
4Ken Glah51:244:38:573:02:108:32:32
5Pauli Kiuru53:294:43:082:56:038:32:42
6Scott Tinley54:154:38:533:03:438:36:52
7Jurgen Zack52:234:39:203:06:498:38:33
8Yves Cordier51:204:41:503:06:018:39:13
9Ray Browning51:334:42:043:05:578:39:35
10Wolfgang Dittrich48:134:39:043:12:388:39:56

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