quarta-feira, 8 de março de 2017

Dois Fazendeiros...

Dois fazendeiros, vizinhos, construíram uma cerca no passado. Combinaram em dividir, meio a meio, os custos da construção e das futuras manutenções.

Cinco anos se passaram e o acordo era sempre cumprido. A cada ano era realizada uma manutenção, ficando cinquenta por cento dos custos para cada lado.

Um dia, o fazendeiro do lado norte sugeriu que o arame farpado fosse trocado. O do lado sul se negou. O do norte então sugeriu que fosse trocado apenas a metade, e o restante no ano seguinte. O do lado sul, ainda assim, não aceitou.

O fazendeiro do norte, ficou sem entender tanta negação por parte do amigo. Chegou a pensar "ele está sem dinheiro", e talvez por constrangimento, não queria revelar. Mas como bom amigo, e interessado na solução da cerca, resolveu ajudar.

- Façamos da seguinte forma. Eu pago esse ano... Pago tudo! Ano que vem, como bons amigos, acertamo-nos.
- Fechado - Respondeu, o agora beneficiado, amigo do Lado Sul.

Deram-se as costas, cada um caminhando em direção a sua propriedade.

O fazendeiro do lado Norte feliz pela solução e certo do cumprimento do acordo de sempre.

O do lado sul, indiferente... Sua fazenda do lado sul será vendida no dia seguinte.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O Curioso Caso de Bejamin Noval.



Publicada em Julho de 2014.... uma crônica onde o personagem possui uma forma, uma idade e um aspecto diferente para cada leitor. Uma história muito simples, que beira um conto infantil. Complexa, porém, na incompreensão dos fragmentos da nossa infância.... aos quais, por vezes, nos limitam.... nos tornam mais felizes.... ou que nos aprisionam.

Acesse o conteúdo original no Mundotri, clicando no link abaixo:

O curioso caso Benjamin Noval, por Dalton Cabral

Benjamin Noval era um “conhecido” aqui da rua. Durante a nossa infância, brincamos muito de bola, de “polícia e ladrão” etc.. Porém, Benjamin não conseguia aprender a andar bicicleta. Ele tinha algum bloqueio que o impedia de realizar aquele sonho.
Sim, ele tentou, incansavelmente, se equilibrar nas duas rodinhas. Arrisco-me até a dizer que ele sabia andar, porém, por algum motivo, não conseguia passar do terceiro “giro” nos pedais, sempre caindo para um dos lados.
Em quase todas as vezes que tentou (e olha que foram várias), sempre voltava com ferimentos nos cotovelos, joelhos etc.. Não demorou para que sua mãe, cansada de tantos curativos, proibisse o menino de pegar as bicicletas emprestado com os amigos para tentar aprender a andar. Comprar uma, então, nem pensar!
Passaram-se alguns anos e sua família mudou de cidade. O pai, militar, vivia trocando de residência de tempos em tempos. Benjamin, assim como sua mãe, sempre precisava reconstruir sua vida, o seu quarto e suas amizades.
Ele, entretanto, enxergava sempre como uma nova oportunidade para aprender a andar de bicicleta. Naquela nova vizinhança, com aqueles novos amiguinhos, escondido da sua mãe, ele poderia pedir uma bicicleta emprestada, sem que ninguém soubesse quantas vezes ele já havia tentado antes.
Old man riding a bike to sunny sunset sky
Benjamin tentou e tentou por muito tempo, quase desistiu, mas um dia ele conseguiu se equilibrar e, a partir daquele momento, não largou mais a bicicleta.
Era uma bicicleta que um vizinho havia lhe oferecido para comprar. Empolgado com o feito, correu para o cofrinho, pegou suas economias de alguns anos e pagou pelo novo brinquedo.
Depois de pedalar por uma tarde inteira, sentindo aquele vento no rosto, aquela liberdade para ir, vir e seguir por onde bem entendesse, entrou em casa.
Cansado, passou direto pela sala, olhou rapidamente no espelho no fim do corredor e seguiu para o quarto. Sentiu um “frio” no estômago e pensou: “tem um estranho em casa!”.
Deu dois passos de volta, abriu a porta do quarto e olhou no corredor em direção à sala, e nada! Ao olhar na direção inversa, enxergou o seu próprio reflexo no espelho e tomou um susto! Ele estava diferente! A pele enrugada, os cabelos brancos, e o corpo cansado… lembrava até o seu avô.
A cabeça da criança levou quase um minuto para tentar formar alguma opinião, mesmo que abstrata ou fantasiosa. Primeiro pensou: “Esse espelho está com defeito”. Depois concluiu que o espelho seria “mágico”.
Semanas, meses e até alguns anos se passaram. Todos os dias, Benjamin andava em sua bicicleta. Pedalava o dia inteiro com as outras crianças. Descia e subia ladeiras, sentindo o vento no seu rosto. Sentia-se eterno, sentia-se vivo.
Todos os dias, tanto quanto pedalava, encarava o “estranho espelho mágico”. Via ali um reflexo que, com o tempo, passou a achar engraçado. Imaginava-se mais velho através daquela imagem. Como seria sua pele, seu rosto e suas sensações físicas quando estivesse bem velhinho.
Algumas semanas depois, Benjamin se foi. Talvez para a sua última viagem. Desta vez, porém, não foi o seu pai que mudou novamente de endereço, foi o próprio Benjamin. Uma viagem inevitável e até hoje incompreendida por tantos.
Porém, Benjamin nunca a evitou. Talvez por isso nunca temesse essa última viagem. Entre os amigos da rua, Benjamin certa vez revelou que só tinha um medo: O de não viver!
Dias depois, seus filhos e alguns netos reviravam sua casa para arrumar e empacotar os seus pertences. O espelho, que de “mágico e especial” não tinha nada, logo entrou em uma das caixas. A bicicleta, ainda guardada no quarto, ao lado da cama, chamou a atenção de uma de suas netas.
“Mamãe, corre aqui, venha ver a bicicleta do vovô!”
Todos os cinco filhos e quatro netos, formados por uma vida inteira de trabalho e dedicação à família, amontoaram-se no pequeno quarto, em volta da bicicleta.
Nela havia uma etiqueta, cuidadosamente aplicada no quadro. Na etiqueta, em letras de forma, estava escrito: “minha bicicleta mágica”.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A Casa Escura do Lago.

Publicada em 25 de março de 2014, "A Casa Escura do Lago" é uma metáfora com as sensações pós-prova(principalmente provas de longa distância) ou pós-temporada. 
Escrevi algumas semanas após uma prova de meio-iron... enquanto ainda me recuperava de todo o desgaste físico e mental.
Entendo que é um bom momento para essa releitura... em função, não apenas do fim da temporada de 2015... como também por ter, recentemente, completado o Ironman Florida... e, por tantos amigos, terem completado o Ironman Fortaleza, Kona... e tantos outros...
... bem vindos à Casa Escura do Lago.

A Casa Escura do Lago.
Em fevereiro deste ano, juntamente com vários amigos, completei mais uma prova de meio Ironman. Já se passaram quase 40 dias desde então. Deixamos o nosso esforço e até mais do que possamos imaginar em cada quilômetro daquele percurso.
Um amigo, cujo nome verdadeiro será preservado e iremos chamá-lo de “Pedro”, relatou fatos e sensações após a prova comuns a muitos atletas. A forma como ele vivenciou, porém, foi única e impossível de não ser compartilhada.
Após a prova, “Pedro” retornou à sua cidade. Por mais que lutasse contra, sabia que precisaria passar alguns dias naquela casa. Ele preferia voltar o mais rápido possível a treinar, usando toda a adrenalina pós-prova para se manter ativo. Mas eu sei, você sabe e ele também sabe que isso é impossível, pois descansar é preciso!
@Ivan Padovani
@Ivan Padovani
Eu, particularmente, gosto de tentar colocar a “vida em ordem”, fazendo coisas proteladas pela falta de tempo, como um conserto no carro ou simplesmente ir ao cinema. Pedro, por outro lado, já sabia o seu destino.
Ele a chama de Casa Escura do Lago. Uma pequena cabana, toda em madeira já muito envelhecida e mal tratada pela umidade da região. Ganhou o sombrio apelido quando Pedro ainda era uma criança. Nunca sofreu reformas. O passar dos anos só ajudou a reafirmar as características e o nome do local.
Pedro a descreveu como um local simples e muito rústico. Uma pequena varanda na frente com uma rede e uma cadeira de embalar. Dentro, uma pequena sala com uma mesa e dois bancos. Aliás, o segundo banco seria desnecessário, pois ele nunca recebe ninguém naquela casa. Um banheiro muito simples, sem espelhos, apenas um cano para a água fria, cujo fluxo é controlado por um pedaço de madeira. O quarto acompanha a peculiar e natural arquitetura do resto da casa, contendo apenas uma cama de solteiro, colchão e nada mais.
Velas e lamparinas resolvem o problema da escuridão durante a noite. Livros, papel, caneta e uma máquina de datilografar ajudam a passar o tempo.
Ainda na sala, há espaço suficiente para encostar a bicicleta de mountain bike e colocar todos os equipamentos de natação e corrida no canto. Tudo isso sem afetar o charme que a mesa de madeira oferece.
No entorno da casa, existe um lago perfeito para nadar. Existem ainda várias trilhas para corrida e ciclismo em mountain bike. Asfalto, nem pensar!
O verde das árvores é acinzentado e distorcido pela chuva fina que cai sem parar. Pássaros são constantemente interrompidos por cigarras, que não têm hora para cantar. O silêncio, característico do local, tranquiliza até a mais inquieta das mentes, porém anestesia o corpo e a vontade de quem deseja voltar a treinar.
Pedro estava muito cansado pela viagem de avião, pelas horas no aeroporto e pela prova também! Apenas se jogou na cama como uma árvore que cai envelhecida em sua morte natural, e apagou em um sono profundo.
O dia amanheceu e ele nem percebeu. Uma pena, pois pretendia ver o nascer do sol e nadar o mais cedo possível. A chuva cinzenta era incessante. Um peso absurdo, muito além dos quilos a mais pós-prova, mantinha seu corpo na cama.
Foi até à mesa da sala e lá estavam frutas e outros itens para o café da manhã. Já passava das dez horas. “Preciso nadar” ele pensou.
Sentou-se então na varanda da casa, sentindo a madeira úmida e fria tocando as pernas. Enrolado em um cobertor, observou o lago por alguns minutos. Estava frio, muito frio! Logo foi desencorajado a nadar.
Passou o resto da manhã alí sentado, enrolado e aquecido. As horas pareciam não passar, o silêncio era quebrado pelo barulho da chuva e algumas boas recordações da prova, que causavam raros sorrisos em seu rosto.
Um pedaço de pão, bolo e café serviram de refeição. O relógio já apontava quase quinze horas. Ele não estava exatamente com fome, queria apenas satisfazer alguns desejos reprimidos pelos dias de treino e pelo controle de peso.
Os dias seguintes se passaram e por mais que tentasse, não conseguia sair da Casa Escura. Sequer conseguia atravessar a varanda. A chuva fina intermitente, o vento gelado das manhãs, a lama etc.. Tudo pesava mais que o normal.
Alguns dias depois, encorajado pela trégua da chuva, Pedro colocou o tênis e saiu para correr. Trinta sofridos minutos bastaram para perceber que os efeitos da Casa já estavam além do cansaço. Pedro já se sentia destreinado. Tentou lembrar há quantos dias estava ali. Em vão! O céu cinzento não difere o dia da noite.
Logo após o almoço, resolveu cair no lago. A tortura que seria tocar na água gelada foi superada por um pulo de cabeça! Começou nadando um pouco desorientado, mas sentindo-se cada vez melhor a cada braçada. Lembranças de um corpo bem treinado começaram a alimentar os músculos. As braçadas eram cada vez mais vigorosas!
Por um momento de desatenção, um dos dedos bateu na “raia”, causando enorme dor. Ao atingir a borda, pegou impulso e resolver marcar o tempo em cem metros. A visibilidade submersa era cada vez maior, a água cada vez mais leve e mais limpa!
Cem metros depois, ele parou e respirou profundamente. Sentindo-se vivo de novo, olhou no relógio para conferir o bom tempo. A água limpa da piscina do clube, somada ao reflexo do sol, cegava os olhos. O calor ardia na pele e a respiração já recuperada pedia uma nova série de 100m.
Pedro saiu da piscina, sentou em uma das várias cadeiras de sol. Tentou, em vão, entender porque sempre retornava à Casa.
Alguns chamam de depressão pós-Ironman. Outros de desequilíbrio hormonal pelo esforço. Há quem explique que se trata de um trauma, causado pela dor e sofrimento da prova, uma espécie de defesa psicológica para que o corpo e a mente não passem por aquilo de novo. Tantos outros preferem entender que isso é a falta de novas metas, de novos desafios.
Eu sei, em determinado nível, o que representa para mim. O Pedro ainda não sabe! Não sei se todos sentem ou se são capazes de perceber. Uma grande maioria não admitiria! Talvez nem eu admita ou sinta! Talvez o Pedro nunca venha a compreender. Quem sabe tudo não seja apenas obra de ficção, como as viagens ao passado e as batalhas medievais de outros textos?
Só sei que já ouvi histórias a respeito da casa. Já reconheci comportamentos indicativos em terceiros. Alguns que sequer participaram de provas, apenas por terem treinado muito além do que deveriam, acabaram visitando a casa. Muitos jamais conseguiram sair de lá.
A casa tem várias formas… uma aparência para cada um. Mas é sombria, escura e está sempre pronta para receber o próximo visitante.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O Inimigo.

 Se preferir, leia o texto original em: http://www.mundotri.com.br/2013/10/dalton-cabral-cuidado-com-seu-verdadeiro-inimigo-no-triathlon/


O Inimigo
Ainda faltava uma semana para a Copa Brasil /Panamerican Cup de Triathlon, mas já sentia um frio na barriga toda vez que pensava na prova. Sensação essa, certamente, motivada por um conjunto de sentimentos bons e ruins.
Um pouco de ansiedade positiva pela grande festa e pelo encontro com os amigos (tanto os companheiros de treinos quanto os atletas que vinham de outras cidades). Ansiedade também pelo desejo de que tudo desse certo com a organização do evento, que nenhum acidente ocorresse no ciclismo e de que todos os atletas de fora do estado tivessem uma boa impressão da prova e da cidade. Por outro lado, um certo incômodo, pela certeza do encontro com uma pessoa em especial.
Eu não costumo alimentar o sentimento de competitividade com outras pessoas. Normalmente, conduzo isso de uma forma positiva, criando apenas referências para com outros atletas, potencializando o meu desejo de melhorar sempre. Mas, nesse caso, é diferente. É um sentimento incomum, talvez errado, agressivo, de querer “passar por cima” mesmo!
Não sei exatamente quando isso começou. Sei apenas que nesse embate, cruzei a linha de chegada à sua frente por mais vezes nas competições. E se tantas vezes venci, sinceramente, não sei por que ainda alimento esse sentimento. Afinal, eu deveria estar com “créditos”, pelo saldo positivo no número de “vitórias”.
Nós até treinávamos juntos no passado. Inúmeros foram os treinos longos de ciclismo ao seu lado, regados de boas conversas e momentos de descontração. Mas, em algum momento, isso mudou ou se perdeu. Nos últimos meses, em especial nas últimas semanas, cruzar com ele em um treino era motivo para desviar de rota, tentando evitar qualquer tipo de contato.
A semana passou voando. Realizei os últimos treinos mantendo certa intensidade e procurando dormir o máximo possível, para tentar recarrega as energias. A sexta-feira, porém, foi uma loucura. Entre compromissos no trabalho, apoio na organização do evento e ajuda para alguns atletas de fora, cheguei em casa às 22:00hs, para ainda organizar e preparar os meus equipamentos para o dia seguinte.
@Wagner Araújo
@Wagner Araújo
Eram 23:20hs quando consegui deitar na cama. Uma leve dor de cabeça, logo acima dos olhos, expressava sinais de stress e cansaço. Nesse quesito, o meu oponente talvez estivesse em vantagem. Quem sabe ele não tirou uma tarde de folga no trabalho para descansar? Quem sabe ele já não estava dormindo há pelo menos uma hora? Quem sabe!
No dia seguinte, cheguei ao local da prova cumprimentando diversos amigos. Não o encontrei na área de transição, muito menos no aquecimento da natação. Por alguns minutos, cheguei a pensar que ele não faria a prova. Talvez, ele não tenha acordado ou até poderia estar doente. Com essa possibilidade, um estranho alívio tomou conta de mim. Alguns segundos depois e essa deliciosa sensação foi interrompida com a verbalização do seu nome em uma conversa próxima.
Era ele! Estava logo atrás de mim! Parecia tranquilo, forte, descansado. Contava piadas, tinha aparência de relaxado, como se nem estivesse em uma largada de prova. Por ironia do destino, o “macaquinho” era idêntico ao meu.
Para continuar concentrado, preferi fazer de conta que nem tinha percebido sua presença. Um leve toque nas minhas costas, porém, deu início ao nosso primeiro “confronto” do dia.
– “Fala Dalton! Tudo bem? Boa prova para você… e nos vemos na linha de chegada!”
Minha reciprocidade foi imediata. Quem sabe eu até precisava disso (desse contato) para quebrar um pouco a ansiedade, limpar a mente e correr mais relaxado.
Mas os pensamentos são impulsivos e o desejo, na maior parte do tempo, irracional. Bastaram alguns segundos para voltar a pensar que, naquele dia, eu poderia perder para qualquer um, menos para ele!
Os 750 metros foram, certamente, a melhor natação da minha vida. Devo ter colocado uns 45 segundos ou mais no meu oponente. Fiz uma rápida transição, mas um pequeno erro na saída da água fez com que eu perdesse um grupo de atletas que estava 15 segundos na minha frente. Com isso, fiquei sozinho na bike, com uma bicicleta “road”, enquanto pequenos grupos se formavam atrás de mim.
Em um desses grupos, ele, certamente, estaria.
A cada retorno mantinha contato visual e cronometrava a distância. Os segundos caiam, mas ainda assim, eu conseguia manter uma velocidade média razoável.
Saí para correr 20 ou 25 segundos na frente e, apesar de “quebrado” por ter pedalado tanto tempo sozinho, conseguia fazer valer os duros treinos que antecederam a prova, mantendo um “pace” competitivo.
Ele vinha tirando 2, 5, 10 segundos. Chegamos a ficar com apenas 12 segundos de diferença no início da segunda volta. Sequer nos olhamos no último retorno, não apenas pelo cansaço, mas pela certeza do papel e dos sentimentos de cada um naquele momento. Ele estava rangendo os dentes… E eu também!
Apertei na última perna da corrida, mantive a pequena vantagem e segurei até o final. Sim! Eu venci!
Entrei na área destinada à recuperação dos atletas. Comi algumas frutas, hidratei-me. Por algum motivo, acabei não encontrando mais com ele. Confesso que o procurei! Afinal, nada melhor para o ego do que cumprimentar o “derrotado”. Mas ele, realmente, já tinha deixado o local.
Teria sido a sua frustração ou raiva maior do que o prazer em confraternizar com outros atletas? A ponto de ir embora sem deixar rastros, pistas ou sem a famosa “resenha” pós prova?
Fui para casa com um sabor de vitória. Cantarolava como uma criança regressando do recreio. Ao tocar na porta do meu apartamento, percebi que ela estava aberta. Não forçadamente, porém aberta. Os batimentos cardíacos subiram mais do que nos últimos quilômetros da prova. Entrei em silêncio pela sala, tudo parecia em ordem. Livros, porta-retratos… Tudo estava no seu devido lugar. Teria eu, ao sair pela manhã, simplesmente, esquecido a porta aberta?
Atravessei lentamente o corredor e ouvi um pequeno barulho no banheiro social.
Fiquei parado por alguns segundos. Respirei fundo! Bem devagar, voltei a caminhar pelo corredor. Abri a porta lentamente… Entrei!
Dei de cara com ele dentro da minha própria casa. Dentro do meu banheiro. Ele estava no meu espelho, refletindo a minha própria imagem. Um leve sorriso no rosto, talvez irônico, e um olhar desafiador. Alguns segundos se passaram em silêncio. A nossa respiração era, curiosamente, sincronizada e ofegante. Calmamente, falamos simultaneamente: “Até a próxima prova!”.
____________

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

De Volta para o Futuro: Como seria correr um Ironman em 1989?




Era véspera do Ironman Brasil 2013. O relógio marcava 21:15 e o estômago alertava que já passara da hora de comer.

Com certa pressa entramos em um restaurante... e os meus olhos logo passaram a caçar uma mesa disponível. Repentinamente, porém, eles pararam na direção de uma delas.

Eu não sei qual é a sensação das outras pessoas. Mas entro em um tipo de "choque" quando encontro, pessoalmente, alguém que só conheço pela televisão ou pelas páginas de uma revista. A "materialização" da pessoa é, por vezes, positiva... e em outros casos decepcionante. Afinal, certos ídolos, quando ainda no imaginário das páginas de revistas, parecem ser mais altos... mais baixos... ou até, mais educados.

Mas não foi o caso do Mark Allen... ele era exatamente como "eu nunca imaginei".

Estava sentado em uma das mesas com outras pessoas. Esperei o momento certo... e pedi para bater uma foto com ele. 

No exato momento do "clique", eu disse: "Ok, legs are shaking a little bit" / "Ok, as pernas estão tremendo um pouco"... e isso lhe tirou um sorriso, captado pela lente um pouco desfocada.

No caminho de volta para o hotel... e por quase todo o dia seguinte... pensei sobre como eles eram capazes de nadar, pedalar e correr, como correram em 1989.... sem os equipamentos tecnológicos e aerodinâmicos que hoje nos deixam mais rápidos... ou, quem sabe, mais "moles".

Leia "De Volta para o Futuro: Como seria correr um Ironman em 1989" abaixo... ou acesse o link do Portal Mundotri:
http://www.mundotri.com.br/2013/09/de-volta-para-o-futuro-como-seria-correr-um-ironman-em-1989/


De volta para o Futuro: Como seria correr um Ironman em 1989?
E
ra tarde de sexta-feira e eu havia saído para uma corrida leve, quando avistei um carro parado. Ao lado do veículo, um senhor com visual, no mínimo, estranho. Aos gritos, o senhor pedia que eu me apressasse, pois estava atrasado. Sem entender nada, porém curioso pela situação e pelo visual sofisticado e exótico do carro, entrei! Ao dar a partida, uma rápida aceleração. E, como se estivesse sendo controlado por um piloto automático, o carro seguiu em alta velocidade, na direção de um muro.
BUM! Foi a minha última lembrança. Teria eu morrido? Estava ferido? Os meus olhos abriram lentamente e percebi que estava deitado em uma cama. O quarto era similar ao de uma pousada. Ao lado, repousava uma bicicleta de estrada, estilo vintage, com algumas sacolas e nada mais. Meu corpo estava extremamente dolorido e não compreendia o fato de não estar ferido, assim como não entendia como eu havia chegado naquele lugar.
A bicicleta era muito pesada, certamente de ferro, com cinco ou seis marchas e passadores no quadro. Lembrei-me que andei em uma dessas quando era criança e cheguei a assistir inúmeras iguais a ela andando nos “irons” da década de 80.
Que tal 180km com uma bike de 12kg?
Que tal 180km com uma bike de 12kg?
Saí da quarto na esperança de encontrar respostas e uma simpática recepcionista, por trás de um balcão, em inglês, me perguntou:
– Olá Sr. Cabral! Já acordou? Espero que a noite tenha sido agradável! Afinal, amanhã é o grande dia!
Grande dia? Sr. Cabral? Mas como ela sabe quem sou? Ironicamente , abrir a porta do quarto em busca de respostas, me trouxe mais dúvidas do que as que eu já tinha.
Tentei disfarçar minha total falta de senso de localização e perguntei “Desculpe, mas acordei um pouco confuso. Como cheguei até aqui?”. Ela então respondeu:“Como assim? O senhor chegou há dois dias e veio como todos chegam na ilha, de avião!”.
“Ilha? Que ilha?”, imediatamente perguntei. E ela novamente respondeu: “O senhor está bem? Estamos em Kona. O senhor está assim por ansiedade pela competição que está por vir? Só falta o senhor não saber em que ano estamos!” – Ao observar minha cara pálida de espanto, ela nem se deu ao trabalho de esperar a minha pergunta e, pausadamente, falou: “mil, novecentos e… oitenta e nove.”
Parei por um instante, respirei fundo e voltei para o quarto na esperança de tentar entender o que estava acontecendo. Aquele carro! Aquele senhor! O acidente! Seria tudo isso um sonho? Teria eu morrido e tudo isso, na verdade, seria uma espécie de realidade paralela? Voltei-me para a bicicleta e para as sacolas com o intuito de encontrar alguma informação. Em uma das sacolas havia batatas, sal, algumas frutas secas e laranjas. Na outra, duas garrafas de pedialyte e água mineral. Dobradas sobre a mesa, uma camiseta de algodão e uma sunga. No canto da mesa, um capacete vintage e no outro canto um documento, estranhamente assinado por mim. Era uma espécie de “recibo” de retirada do kit.
A última sacola fechou o quebra-cabeças. Lá estava o mesmo par de tênis que eu usava na hora do acidente de carro, um número de competição escrito “Ironman Hawaii” e um elástico, para fixá-lo na cintura.
Saí do hotel e fui para a rua tentando sentir o ambiente. Eu realmente estava lá! Sentia o clima, a umidade, o calor e via vários atletas treinando na rua. Por alguns minutos, a sensação de estar completamente perdido foi substituída por uma profunda emoção. Afinal, como eu sonhei um dia estar ali! Mas, naquele ano? E daquela forma?
Rapidamente, o desespero voltou a tomar conta da minha cabeça: Como seria nadar apenas de sunga? Pedalar 180km, em Kona, com uma bicicleta de estrada pesadíssima, sem “clip” e com apenas seis marchas? * Como poderia fazer um Ironman comendo apenas pão, frutas secas e batata? Como largar sem capacete aerodinâmico, rodas de perfil alto, carboidrato em gel, cápsulas de sal, BCAA, suplementos pré, durante e pós-prova?
Sentei na calçada um pouco perdido e ali fiquei de cabeça baixa, refletindo sobre todos os acontecimentos. Alguns minutos depois, percebi uma sombra à minha frente. Um dos atletas em treinamento parou e perguntou se estava tudo bem. Olhei para seu rosto e, perplexo, o reconheci. Era Mark Allen! Com aquele mesmo rosto mais novo dos vídeos do “Ironwar” da internet. E ele perguntou: “Tenso com a prova de amanhã?” Eu respondi: “Quisera eu que fosse apenas isso”. Ele então falou: “Apenas confie no seu treinamento e tudo dará certo!” Virou-se e partiu correndo.
MarK Allen em 1989. Foto: ironman.com
MarK Allen em 1989. Foto: ironman.com
Nossa! Eu acabei de conversar com o cidadão que ganhará, na verdade que ganhou, a prova do dia seguinte. Eu poderia até dizer para ele como isso aconteceria, ou como aconteceu, em qual quilômetro da maratona. Poderia alertar ao Dave Scott sobre o que estava por acontecer, afinal, eu já sabia tudo que aconteceria no dia da prova, do recorde da maratona (que até hoje não foi batido) e dos tempos finais. Por outro lado, ironicamente, eu só desconhecia um resultado, justamente o meu.
Voltei para o quarto mais fortalecido. Acreditando muito mais nas minhas pernas, nos meus pulmões, nas minhas braçadas, nos anos e anos de treinamento. Muito mais do que em qualquer tecnologia aerodinâmica ou nutricional. Eu estava certo que faria a prova, que encararia os ventos e subidas naquela bicicleta de ferro e que correria de blusa e sunga por 42.2km. Coloquei na cabeça que essa seria uma prova baseada, puramente, em minha natureza mais “bruta”. Que eu não teria “apoios psicológicos” de equipamentos ou de marcas. Que eu não teria o benefício de equipamentos e designs que nos deixam, teoricamente, mais rápidos. Eu estaria quase “nu”, tecnologicamente, porém muito mais próximo do meu espírito e da minha natureza como atleta. Sim! Eu vou correr o Ironman Hawaii de 1989.
Repentinamente, uma porta bateu com força, impulsionada pelo vento! Acordei no quarto da pousada. Mas, novamente, alguma coisa diferente no ambiente, ou melhor, era mais familiar. Então percebi que estava em Florianópolis. Era véspera do Ironman Brasil 2013 e tudo, finalmente, fazia sentido. Que sonho! Muito, mas muito real.
Ao lado da cama, a capa do DVD do filme “De Volta para o Futuro”, que havia colocado no aparelho para assistir naquela tarde, antes de pegar no sono.
Fui para a sala e lá estava minha bicicleta de Triathlon toda aerodinâmica, com o meu capacete “aero” (todo o conjunto, conforme as fotos de uma revista, devidamente testado em túneis de vento), com a minha roupa de velocidade para a natação, com os inúmeros sachês de carboidrato em gel, cápsulas de sal, BCAA, whey, “R” isso, “R” aquilo, manguitos, pernitos e outros “itos”,que, naquele momento, fizeram com que eu me sentisse um “pateta”!
Naquela noite, saí para jantar ainda um pouco desorientado com toda aquela experiência. Entrei em um restaurante e na mesa ao lado estava ele, Mark Allen. Que “peça” do destino! De um sonho há algumas horas antes, para um encontro de fato. Não preciso nem dizer que fui em sua direção e pedi para tirarmos uma foto juntos. Flash nos olhos! E depois de ouvir o meu agradecimento pela atenção, ele, intrigado, olhou fixamente para o meu rosto e perguntou “Já nos conhecemos de algum lugar?”. Eu apenas respondi com uma estranha, porém sólida, convicção: “Sim Mark, Kona, 1989!”

Dalton com Mark Allen
Dalton com Mark Allen no Ironman Brasil 2013
____________ 
Dalton Cabral é empresário da construção civil em Manaus/AM e, nas horas vagas, se aventura nos treinos de Triathlon.
____________ 
 * Por curiosidade, incluí os tempos do top 10 em 1989, ano no qual foi estabelecido o recorde da maratona em Kona. Perceba como os tempos são rápidos até para os padrões de hoje, mesmo sem todo o aparato aero-tecnológico atual.

1Mark Allen51:174:37:522:40:048:09:15
2Dave Scott51:164:37:532:41:038:10:13
3Greg Welch51:394:43:432:56:538:32:16
4Ken Glah51:244:38:573:02:108:32:32
5Pauli Kiuru53:294:43:082:56:038:32:42
6Scott Tinley54:154:38:533:03:438:36:52
7Jurgen Zack52:234:39:203:06:498:38:33
8Yves Cordier51:204:41:503:06:018:39:13
9Ray Browning51:334:42:043:05:578:39:35
10Wolfgang Dittrich48:134:39:043:12:388:39:56

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Segredos e artes marciais... sobre ser paciente e sábio


Era sexta-feira a noite...  na televisão, um clássico sobre artes marciais. 
O roteiro era bem previsível... sobre um garoto que vingaria a morte de sua família... sobre o encontro e todo o processo de aprendizado com um mestre. 
Ao final do filme... o clássico diálogo entre professor e aluno: "Muito bem Pequeno Gafanhoto... agora você pronto para aprender o grande golpe do dragão... ".
Este golpe, então, seria usado na última cena do filme... na última grande luta... transformando o pequeno aprendiz em algo maior e muito além do que jamais havia sonhado.
Mas... e no triathlon... esse golpe existe?
Leia "O Segredo do Golpe do Dragão" abaixo... ou acesse o link do Portal Mundotri.

O Segredo do Golpe do Dragão.
Quase 60 dias após o Ironman Brasil, lá estava eu, na Ponta Negra, no domingo, às 06h30min da manhã, para mais um (como tantos outros) treino de natação em águas abertas e de corrida.
Não preciso nem falar do espetáculo que é nadar ali. Pois, além da beleza do local e de estar no maior volume de água doce do planeta, o corpo de bombeiros instalou uma “raia” na água, paralela à praia, que serve para a proteção dos banhistas contra afogamentos e, para nós triatletas, como uma raia de natação com 400 metros de extensão.
Mas, esquecendo um pouco a valorização da minha terra, vou pular a parte da natação, colocar logo o tênis, partir para a corrida e dividir partes de um boa conversa e várias reflexões que tive, ao longo do percurso, com um parceiro de treinos.
Falávamos sobre melhorar nos treinos e nas provas.
Ele começou afirmando que percebeu uma melhora nas sensações do corpo de um ano para cá. Melhora na velocidade da corrida, na técnica de natação etc.. Complementei que sentia isso também! De forma lenta e gradativa, ano após ano.
Naquele momento, olhei para o relógio com GPS, o mesmo marcava 4:50/km. A respiração não era tão tranquila assim, mas dava para conversar. Lembrei-me que 4:50/km, há poucos anos, era o meu ritmo de intervalado nos 400metros.
Seguramos um pouco as palavras, pois começou uma leve subida e apertamos um pouco o passo (silêncio por uns 30 ou 40 segundos). Alguns metros depois, ficou plano novamente, e falei: “Quer saber algo interessante que aprendi sobre “melhorar” no Triathlon?”.
@istockphoto
@istockphoto
Bom, no início, quando comecei a treinar, mesmo que inconscientemente, achava que existia um “segredo”. Algo que os principais atletas de elite (e os grandes amadores) tinham, ou praticavam em comum. Um conhecimento extra que os grandes técnicos possuíam. Algo que o meu técnico, um dia, revelaria para mim. Exatamente como naqueles filmes de Kung-Fu, quando no final, véspera da grande luta, o mestre olhava para o aluno e dizia com aquela voz serena e sotaque chinês: “Agora você está preparado para aprender o grande golpe do dragão”!
Confesso que acho que descobri esse tão importante segredo (ou parte dele). Nesses últimos anos, tive a oportunidade de conhecer e conversar com alguns grandes triatletas (muitos deles até ídolos). Além da simplicidade na abordagem do treinamento, existe, sim, esse “algo em comum” entre todos.
Não! Não se trata de um treino secreto! Nem de algo que se bebe ou que se come! Trata-se, simplesmente, de tempo, consistência e sabedoria!
Invariavelmente, eu escutei desses grandes atletas: “Eu treino há 15 anos sem parar…”; ou então: “Eu treino há 20 anos e nunca me lesionei” E quando finalmente pensei que ia ouvir algo diferente, alguém falou: “Eu durmo 10 horas por dia… ah sim! E treino há 17 anos”.
Tempo, consistência, sabedoria (no sentido do autoconhecimento e da ciência do treinamento). Conceitos nada complexos, porém, tantas vezes distantes em função do nosso imediatismo e da nossa falta de paciência e conhecimento.
Nesse momento, quase 1 hora depois, ainda correndo e mantendo os 4:50/km, virei para o amigo ao lado e disse: “É meu caro! O verdadeiro segredo talvez seja esse mesmo: poder, ano após ano, estar aqui recuperado após uma grande prova; treinando de forma qualitativa e consistente, com sabedoria, feliz, entre amigos e como consequência de tudo, cada vez mais rápido”.
Mas, em todo caso, vamos ficar em alerta! Vai que um dia o meu técnico (ou o seu) traga a grande revelação: “Dalton, agora você está preparado para o grande golpe do dragão!”
Bons treinos.