quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Segredos e artes marciais... sobre ser paciente e sábio


Era sexta-feira a noite...  na televisão, um clássico sobre artes marciais. 
O roteiro era bem previsível... sobre um garoto que vingaria a morte de sua família... sobre o encontro e todo o processo de aprendizado com um mestre. 
Ao final do filme... o clássico diálogo entre professor e aluno: "Muito bem Pequeno Gafanhoto... agora você pronto para aprender o grande golpe do dragão... ".
Este golpe, então, seria usado na última cena do filme... na última grande luta... transformando o pequeno aprendiz em algo maior e muito além do que jamais havia sonhado.
Mas... e no triathlon... esse golpe existe?
Leia "O Segredo do Golpe do Dragão" abaixo... ou acesse o link do Portal Mundotri.

O Segredo do Golpe do Dragão.
Quase 60 dias após o Ironman Brasil, lá estava eu, na Ponta Negra, no domingo, às 06h30min da manhã, para mais um (como tantos outros) treino de natação em águas abertas e de corrida.
Não preciso nem falar do espetáculo que é nadar ali. Pois, além da beleza do local e de estar no maior volume de água doce do planeta, o corpo de bombeiros instalou uma “raia” na água, paralela à praia, que serve para a proteção dos banhistas contra afogamentos e, para nós triatletas, como uma raia de natação com 400 metros de extensão.
Mas, esquecendo um pouco a valorização da minha terra, vou pular a parte da natação, colocar logo o tênis, partir para a corrida e dividir partes de um boa conversa e várias reflexões que tive, ao longo do percurso, com um parceiro de treinos.
Falávamos sobre melhorar nos treinos e nas provas.
Ele começou afirmando que percebeu uma melhora nas sensações do corpo de um ano para cá. Melhora na velocidade da corrida, na técnica de natação etc.. Complementei que sentia isso também! De forma lenta e gradativa, ano após ano.
Naquele momento, olhei para o relógio com GPS, o mesmo marcava 4:50/km. A respiração não era tão tranquila assim, mas dava para conversar. Lembrei-me que 4:50/km, há poucos anos, era o meu ritmo de intervalado nos 400metros.
Seguramos um pouco as palavras, pois começou uma leve subida e apertamos um pouco o passo (silêncio por uns 30 ou 40 segundos). Alguns metros depois, ficou plano novamente, e falei: “Quer saber algo interessante que aprendi sobre “melhorar” no Triathlon?”.
@istockphoto
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Bom, no início, quando comecei a treinar, mesmo que inconscientemente, achava que existia um “segredo”. Algo que os principais atletas de elite (e os grandes amadores) tinham, ou praticavam em comum. Um conhecimento extra que os grandes técnicos possuíam. Algo que o meu técnico, um dia, revelaria para mim. Exatamente como naqueles filmes de Kung-Fu, quando no final, véspera da grande luta, o mestre olhava para o aluno e dizia com aquela voz serena e sotaque chinês: “Agora você está preparado para aprender o grande golpe do dragão”!
Confesso que acho que descobri esse tão importante segredo (ou parte dele). Nesses últimos anos, tive a oportunidade de conhecer e conversar com alguns grandes triatletas (muitos deles até ídolos). Além da simplicidade na abordagem do treinamento, existe, sim, esse “algo em comum” entre todos.
Não! Não se trata de um treino secreto! Nem de algo que se bebe ou que se come! Trata-se, simplesmente, de tempo, consistência e sabedoria!
Invariavelmente, eu escutei desses grandes atletas: “Eu treino há 15 anos sem parar…”; ou então: “Eu treino há 20 anos e nunca me lesionei” E quando finalmente pensei que ia ouvir algo diferente, alguém falou: “Eu durmo 10 horas por dia… ah sim! E treino há 17 anos”.
Tempo, consistência, sabedoria (no sentido do autoconhecimento e da ciência do treinamento). Conceitos nada complexos, porém, tantas vezes distantes em função do nosso imediatismo e da nossa falta de paciência e conhecimento.
Nesse momento, quase 1 hora depois, ainda correndo e mantendo os 4:50/km, virei para o amigo ao lado e disse: “É meu caro! O verdadeiro segredo talvez seja esse mesmo: poder, ano após ano, estar aqui recuperado após uma grande prova; treinando de forma qualitativa e consistente, com sabedoria, feliz, entre amigos e como consequência de tudo, cada vez mais rápido”.
Mas, em todo caso, vamos ficar em alerta! Vai que um dia o meu técnico (ou o seu) traga a grande revelação: “Dalton, agora você está preparado para o grande golpe do dragão!”
Bons treinos.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Vida e Morte... ou o começo de tudo.

Era Maio de 2013... estava disputando a minha sexta prova na distância de Ironman. Já havia cumprido os 3800m de natação e devia estar no km120 do ciclismo. 

A mente inquieta buscava pensamentos negativos, sabotando um corpo cansado e destruído pela utopia de uma prova perfeita.

Ela não existe... é fantasiosa... a prova perfeita.

O corpo ficava cada vez mais lento e cansado, como um idoso... outrora (no início da prova) forte e explosivo como uma criança.

Esses pensamentos fizeram surgir uma "visão" durante a prova... que foi amadurecida na viagem de volta à minha cidade. 

Como fruto de toda essa "loucura" e explosão de idéias... surgiu o "começo de tudo"... a primeira crônica... publicada em 07 de junho de 2013.

Leia "Vida e Morte no Ironman" abaixo... ou acesse o link do Portal Mundotri.
http://www.mundotri.com.br/2013/06/vida-e-morte-no-ironman/


Vida e Morte no Ironman

Depois da minha sexta prova completada na distância de Ironman e outras treze na de meio Ironman, é impossível não olhar e sentir a prova sob outra perspectiva. Uma coisa, entretanto, não muda: parece que a cada ano, nascemos, morremos e renascemos de alguma forma naquela prova. É como um ciclo contínuo que se renova anualmente. Um paralelo com a própria vida, onde encontrei várias respostas para algumas coisas e para tantas outras, nenhuma!
Tudo começa na “fecundação”. Porém, diferente de um feto normal, o futuro Ironman leva quase 1 ano para nascer. A notícia da gravidez vem no momento da inscrição. Afinal, assim como um papai e uma mamãe ficam felizes com a vinda de um filho, todos nós anunciamos aos quatro ventos que, em um ano, largaremos na prova.
Um ano… Sim! É o tempo que levará essa gestação. Cheia de incertezas, inseguranças, sensações de potência e felicidade. Isso vale tanto para quem vai ser papai pela primeira vez (primeira prova), como para quem já fez essa viagem outras vezes. E o nascimento tem dia e hora marcada. Normalmente, na última semana de maio de todos os anos, às 07h00min da manhã.
Eis que chega o grande dia do nascimento. Estão lá todos os “fetos”, quero dizer atletas, alinhados na areia, envolvidos pelas roupas de borracha e suas toucas. Curiosamente, todos iguaizinhos uns aos outros. Afinal de contas, todos os bebês são iguais quando nascem.
Dalton no Ironman Brasil 2013
Dalton no Ironman Brasil 2013
E começa a cirurgia para o nascimento, ou seria melhor dizer, começa a natação? Todos os fetos naquele ambiente líquido e salgado, fazendo força para surgir ao mundo. Bate daqui, bate de lá, corrige a direção, correnteza puxa para lá e para cá. Eis que ao tocar na areia com os pés, saindo daquela natureza aquática, surgimos como bebês saindo do útero da mãe. Aliás, sempre foi impossível para mim, não associar essa sensação com a retirada da roupa de borracha.
Depois de alguns minutos (para uns, algumas horas) dentro d’água, corremos com o líquido escorrendo pelo corpo, ainda desengonçados com a mudança da água para a corrida, como bebês que estão aprendendo a andar. E ainda, em uma coincidência absurda, meio assustados com a as luzes e o barulho da multidão, em contraste com o silêncio e escuridão da placenta, quero dizer, da água do mar.
Ao subir na bicicleta, parece que já temos 12 ou 16 anos de idade. Energias ao máximo em função da juventude, do polimento e dos estoques de glicogênio. É tanta, mas tanta energia, que fica até fácil gastar aquilo que lá na frente, quando estivermos mais velhos, fará falta. Aliás, é nesse momento também, que aparece alguém mais velho, conhecedor das regras e bons costumes da sociedade, e diz o que pode e o que não pode ser feito. Eles vêm em motos, vestidos com coletes e, em tom imperativo, falam para o pequeno jovem: “NÃO PODE PEGAR VÁCUO!”
A partir daquele momento, já com maioridade penal, o “já-não-pequeno-jovem” tem algumas opções: Vou seguir as regras da sociedade ou vou burlar dando um jeitinho? Vou ser educado? Vou ser grosso? Vou respeitar o próximo? Afinal, é a personalidade já formada, sendo lapidada, sendo confrontada e, por vezes, entrando em conflito.
Lá pelo quilometro 120 ou 140 do ciclismo, o atleta já não é mais aquele jovem. É mais maduro e próximo dos 30 anos. É capaz de assumir riscos e consequências (e não estou falando apenas do cumprimento de regras, afinal isso é lei! E dependendo da educação recebida e da formação da personalidade de cada um, ele vai seguir ou não).  Estou falando de outro risco, de outra consequência. Trata-se do seu futuro! O seu envelhecimento! Que na vida representada nesta prova, ocorrerá na sua maratona! Afinal, se você arriscar demais agora, certamente sofrerá lá na frente. Assim é na prova, assim é na vida… Assim é no envelhecimento.
Enquanto tudo isso acontece, existe um governo cuidando para que a cidade Ironman funcione. Afinal, você paga os seus impostos, quero dizer a sua inscrição, fica feliz ao ver tudo funcionando (água, isotônicos, prova bem sinalizada) e reclama quando algo não vai bem. Existe um governador para essa cidade, que assim como acontece com os da política, também é chamado pelo sobrenome. Vocês, os expectadores, os funcionários desse “governo” e a sua família fazem parte dessa sociedade possuidora de regras, horários e funções. Exatamente como em uma acontece em una cidade verdadeira, exatamente como na sua vida. Mas que, no caso dessa prova, você nasce às 07:00 da manhã, tem sua juventude no período no horário do almoço e, agora, com a chegada da maratona, entrará na terceira idade.
@Waguinho A.
@Waguinho A.
Não por acaso, tudo fica mais lento. O seu ritmo está longe de ser aquele 3, 4 ou até 5 minutos por quilometro que costumava fazer nas corridas mais curtas da sua juventude. Você caminha nas subidas, bebe com dificuldade e come com dificuldade. Reclama de dores aqui e de dores ali. Tudo dói! A visão não é mais a mesma, nem a audição. Afinal, quantos não gritam e você não escuta, não reconhece ou até pior, não lembra quem é?
Eu não sei se morremos no quilometro quarenta da maratona. Eu não sei se aqueles últimos metros, aquelas luzes, se aquelas pessoas são na verdade anjos. Aquele pórtico… Eu não sei se aquilo é a chegada ao paraíso, se é o renascimento, reencarnação ou a última luz da vida. Essa definição eu vou deixar para a crença e para as sensações de cada um.  Só sei que, naquele dia, agente nasce, cresce, envelhece. Passa uma vida em busca de algo. De respostas que nem sempre vem! Ou de perguntas que mudam a cada ano. Afinal, o que é tudo isso, se não a própria vida? E parece que em 2014 vou nascer de novo, para novamente viver e crescer naquele percurso.
Boa recuperação para todos que deixaram todo o seu esforço e honra naquele pórtico de chegada… em Florianópolis ou em qualquer prova pelo mundo.

daltonncabral@hotmail.com